Estado do Planeta: Menos 82% de animais selvagens e 25% das espécies podem se extinguir

Nos primeiros 13 anos do século XXI a área de floresta sem interferência do homem desceu 7%, valor que representa, em território, França e o Reino Unidos juntos

Esse é o maior estudo alguma vez realizado sobre o estado de saúde do Planeta e os resultados são aterradores. As conclusões do Global Assessment Report das Nações Unidas apontam mesmo para o perigo da continuação da sociedade humana devido ao declínio acelerado dos sistemas naturais de suporte de vida na Terra. Segundo o relatório, feito por alguns dos mais importantes cientistas do mundo, a natureza está a ser destruída a uma velocidade que é centenas de vezes maior à média dos últimos 10 milhões de anos.

Vamos à primeira leva de números assustadores. Segundo os resultados da investigação que envolveu mais de 450 cientistas e diplomatas, a biomassa de mamíferos selvagens caiu em 82%, os ecossistemas naturais perderam metade da sua área (47%) e um milhão de espécies estão em risco de extinção (25%). Duas em cada cinco espécies de anfíbios estão em risco de desaparecer, um terço dos corais formados em recife também. Há animais marinhos a diminuírem para um terço e estima-se que 10% dos insetos, fundamentais para a polonização das plantas, possam estar também sob o risco de extinção.

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A causa para a destruição está nas ações do Homem que é também quem sofre as consequências: a produção agrícola está em risco devido à terra degradada; a água doce está a diminuir e há ainda toda a questão das alterações climáticas.

“A saúde dos ecossistemas dos quais nós e outras espécies dependemos está a deteriorar-se mais rapidamente do que nunca. Estamos a destruir os próprios fundamentos das economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida, em todo o mundo ”, disse Robert Watson, presidente da Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (Ibpes), ressalvando que não se pode perder mais tempo e que “temos de agir agora.”

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Gastamos 60 mil milhões de toneladas de recursos, por ano

O relatório mostra o tamanho da pegada ecológica que deixamos: três quartos de todas as terras do planeta foram transformadas em campos agríolas, cobertos por cimento, transformados em reservatórios de barragens ou alterados de outra forma. Mais: dois terços do mundo marinho são agora zonas de criação de peixe, rotas de navegação, minas submarinas, entre outras coisas. Com tudo isto, a sobrevivência de mais de 500 mil espécies está em risco, uma vez que não há zona suficiente para o seu habitat. No espaço de décadas, sugere o relatório, muitos animais podem vir a desaparecer.

O impacto no Planeta tem vindo a crescer, bem como a disseminação de zonas afetadas pelos humanos. “Estamos a deslocar o nosso impacto ao redor do planeta, de fronteira para fronteira”, disse Eduardo Brondizio, co-presidente do Ibpes, da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina. “Mas estamos a ficar sem fronteiras … Se continuarmos os negócios normalmente, vamos assistir a um declínio muito rápido na capacidade da natureza de fornecer o que precisamos e proteger as mudanças climáticas”.

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s industrias alimentares são as responsáveis por grande parte da pegada. Além da agricultura e da pesca, é de destacar a da carne: segundo o relatório, é responsável por cerca de 25% do gelo derretido no mundo e por mais de 18% das emissões de gases que criam o efeito de estufa. Há ainda a erosão do solo, uma vez que os pastos de gado têm vindo a substituir florestas e outros ecossistemas recheados de natureza, sem esquecer as doenças da própria terra.

As zonas húmidas, naquilo que se refere aos habitats, representam as maiores perdas: 83% destas áreas foram drenadas, desde o século XVIII, o que afeta substancialmente tanto a qualidade da água, como a vida vida das aves. As florestas, sobretudo nos trópicos, estão a diminuir – só nos primeiros 13 anos do século XXI a área de floresta sem interferência do homem desceu 7%, valor que, segundo o jornal britânico, representa, em território, França e o Reino Unidos juntos. Apesar de a taxa de desmatamento ter diminuído, a realidade é que foram plantações de monoculturas a substituírem a selva e a floresta.

Falta ainda falar dos oceanos. Só 3% das áreas marinhas é que não têm interferência humana, sendo que a pesca se realiza em mais de metade dos oceanos do planeta, o que faz com que um terço das populações dos peixes estejam a ser excessivamente exploradas.

Ainda que as alterações climáticas, a poluição e as espécies invasoras tenham um impacto inferior, a forma como condicionam o planeta está a crescer: mesmo que se trave o aquecimento global na meta estabelecida pelo Tratado de Paris, que apontou para os 1,5 a dois graus Celsius, a diversidade de espécies corre o risco de diminuir drasticamente.

Segundo o relatório, o crescimento populacional do planeta é um dos fatores que mais contribui para este cenário negro. A pegada deixada pelos países desenvolvidos é muito superior à dos países mais pobres.

Desde 1980 que o ser humano extrai 60 mil milhões de toneladas de recursos, todos os anos, o que significa que o valor vai já no dobro e o planeta não tem capacidade para aguentar. Segundo o relatório, mais de 80% das águas residuais são despejadas em lagos e oceanos, sem tratamento, em conjunto com cerca de 300 a 400 milhões de toneladas de metais pesados, lama tóxica e outro tipo de descargas industriais. Relativamente ao plástico, os resíduos deste material aumentaram dez vezes nos últimos 40 anos, o que cria um impacto brutal no mundo dos animais marinhos: afeta 86% das tartarugas marinhas, 44% das aves marinhas e 43% dos mamíferos marinhos. O resultado do escoamento de fertilizantes também é assustador: existem neste momento 400 zonas mortas, numa área que corresponde ao tamanho do Reino Unido.

“Esta é a verificação de saúde planetária mais completa, detalhada e extensiva. A mensagem para levar para casa é que deveríamos ter ido ao médico mais cedo. Estamos em um mau caminho. A sociedade em que gostaríamos que nossos filhos e netos vivessem está em perigo real. Eu não posso exagerar, ”diz, citado pelo “The Guardian“, Andy Purvis, professor do Museu de História Natural de Londres e um dos principais autores do relatório. “Se deixarmos esta trapalhada às próximas gerações, elas não nos vão perdoar.”

Mudança radical em todos os setores

A perda da biodiversidade entrou, pela primeira vez, na agenda dos G8. Estudos, relatórios, conferências estão a ser organizados de forma a que se estabeleça um plano de ação, que inclua metas para que se ponha um travão à tragédia ambiental. O Reino Unido já encomendou a um professor da Universidade de Cambridge, Partha Dasgupta, um estudo sobre o caso económico da natureza. A China vai receber uma conferência fundamental da ONU de forma a que estabeleçam metas globais para a biodiversidade.

“O relatório pinta um quadro bastante preocupante. O perigo é que colocamos o planeta numa posição onde é difícil recuperar ”, disse Cristiana Pașca-Palmer, chefe da principal organização de biodiversidade da ONU. Mas, segundo a mesma, ainda há esperança: “Há muitas coisas positivas a acontecerem. Até agora não tivemos vontade política de agir. Mas a pressão pública é alta. As pessoas estão preocupadas e querem ação. ”

Uma das conclusões do relatório é que as soluções até agora apresentadas são insuficientes. O plano terá de ser reformulando e deverá integrar medidas muito mais radicais, que afetarão todos os principais pilares da sociedade, desde a política, à economia e tecnologia.

Segundo Cristiana, as agendas de política local, nacional e internacional precisam de estar alinhadas e de ter em vista a luta contra a deterioração do planeta. A cooperação entre os setores de comércio, controlo dos níveis de desigualdade, fiscalizações mais assertivas e nova legislação ambiental também terão de ser introduzidos para que se trave este problema mundial. O apoio das comunidades indígenas, habitantes de florestas e pequenos proprietários também são fundamentais, uma vez que os ´”últimos investimentos para a natureza estão em áreas administradas por estes grupos.” Ainda assim, “as pressão começa a ser prejudicial, à medida que diminuem a vida selvagem e o conhecimento para conseguir geri-la.”

Está no limiar de ser impossível, mas ainda há saída. “A situação é complicada e difícil, mas não podemos desistir. O relatório mostra que há uma saída. Acredito que ainda podemos dobrar a curva ”, disse Josef Settele, co-presidente do Ipbes e entomologista do Centro Helmholtz de Investigação Ambiental na Alemanha. “As pessoas não devem entrar em pânico, mas devem fazer uma mudança drástica.”


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